CORRIDA DE CAVALOS


Quando chegamos não se via ninguém. Tinham-me dito que ia haver uma corrida de cavalos por ali e pareceu-me um bom programa para passar a tarde. Não viajava sozinho, por isso tive de convencer os outros que iria valer a pena. E encontrar um condutor disposto a fazer um desvio considerável para ficar o resto da tarde à nossa espera enquanto assistíamos à disputa equestre. Esta parte afinal nem foi difícil. O gosto pelos cavalos está no sangue dos mongóis, por isso passar uma tarde junto de cavalos de corrida até foi um bónus para o Mishka, o homem que nos levou. Mas agora, chegados ao local, começava a duvidar de que fosse mesmo haver uma corrida de cavalos. Será que foi desmarcada? Será que me enganaram de propósito? Nenhuma destas ideias parecia compatível com o que eu conhecia do povo mongol. Mas não se via ninguém. 
Ainda havia outra hipótese. Será que estamos no sítio certo? Perguntei ao Mishka o que ele achava. Respondeu: “Deve ser aqui”, fez uma pausa. E continuou: “Ou no próximo vale, talvez.” Não havia grandes referências. O lugar correspondia à descrição. Era um vale aberto, virado a sudeste, com o rio a passar ao fundo. Mas até cá chegar passamos por vários vales que encaixavam exatamente na mesma descrição. Comecei a perder a esperança de ver a corrida de cavalos. 




As corridas de cavalos na Mongólia fazem parte de um dos três desportos nacionais, juntamente com o tiro com arco e a luta livre. Mas, em vez de pequenos e leves jóqueis adultos, os cavalos são montados por crianças desde os sete anos de idade. Neste país há cerca de três cavalos por cada habitante, por isso os miúdos começam a andar a cavalo quando começam a ganhar o equilíbrio para começar a andar (a pé!). Quando chegam à idade de ir para a escola primária já galopam à vontade pela estepe fora. 

Mas estava eu a duvidar se estávamos ou não no sítio certo, também não sabia bem a que horas iria ser a corrida. Nisto chega um carro que pára a uma centena de metros de nós, de onde saem dois homens corpulentos e um pequeno miúdo. Da mala tiram uma sela e mais alguns objetos. “Pronto”, pensei. “É aqui. Agora só falta esperar”. Na realidade ser pontual na Mongólia rural significa chegar dentro do mesmo período do dia. Podemos dizer a alguém que vamos passar no seu ger amanhã de manhã. Mas se lhe dissermos que passamos às dez da manhã, ele vai igualmente esperar-nos a qualquer hora durante a manhã. As distâncias por vezes são grandes, as estradas quase não existem, o clima pode ser severo, marcar horas certas é um preciosismo demasiado urbano que aquelas paragens ainda não adoptaram.


Chegam mais carros, alguns com crianças que se percebe que vão competir, outros só com adultos, talvez família, talvez público, como nós, apenas para assistir. Chegam alguns homens a cavalo, mas com cavalos que não me parece que sejam os que vão correr. Chegam muitos outros de mota. Mas, não chegam cavalos de corrida. Tentei perguntar a alguns dos presentes se não vinham cavalos para a corrida. Respondera-me todos da mesma foram: “Mais tarde”. Achei estranho. E vêm todos ao mesmo tempo? Vêm sozinhos? Não conseguia perceber as restantes respostas. Fui aguardando, percorrendo o local, observando os concorrentes e as suas famílias. Quando olhamos com atenção vemos que os miúdos são mesmo pequenos. Mas, num olhar menos atento não parecem. Têm uma linguagem corporal crescida, de um adolescente que já conquistou uma parte da sua independência. 
Estava eu a tentar imaginar o que passaria na cabeça daqueles miúdos, alguns tão novos, quando, de repente, percebi o sentido do que me tinham dito antes. Ao longe vejo uma camioneta, a ritmo lento, mas ainda assim a deixar um rasto de poeira por onde passava. Nelas vinham vários cavalos. Eram os cavalos dos concorrentes, que vinham transportados para não se cansarem. Estes seriam, provavelmente, os melhores cavalos porque pouco depois vejo mais alguns a vir a trote, guiados por homens adultos, também eles a cavalo.

Começam os preparativos. Alguns cavalos são selados, mas não todos, pois há cavaleiros que montam em pelo. Seguem-se alguns trotes e galopes de aquecimento. Por fim, alinham-se todos junto a um risco que foi improvisado no chão e pouco depois é dada a partida. Só vai haver uma corrida, correm as idades todas juntas, mas estão divididos em dois grupos. Vemos o galope desenfreado a levar cavaleiros e montadas para longe até os perdermos de vista. A corrida tem vários quilómetros e é uma volta só, quando os voltarmos a ver será já para a chegada. 




Nisto, chegam ao pé de mim várias pessoas que parecem ter a ver com a organização do evento. Apontam para a minha máquina fotográfica com um ar determinado. Não havia mais ocidentais ali. Comigo viajavam uma francesa e três malaias. Tirando a francesa eu era o único ocidental. E era a única pessoa que andava de um lado para o outro a fotografar. “Pronto, não querem que os fotografe nem que os filme” pensei eu. Mas não era isso que a linguagem corporal deles transmitia. Era outra coisa qualquer. Quase me arrastaram para ir com eles para junto da meta. Os mongóis são pessoas fabulosas, mas de trato meio abrutalhado. Não fazem por mal, são assim. Finalmente percebi: “Querem que eu filme a chegada da corrida. Vou fazer o photofinish com a minha máquina”. E assim foi. Preparei-me e alinhei-me com a meta para gravar a chegada dos primeiros concorrentes, na esperança de não ser abalroado por um puro sangue a galope. No final, vimos as imagens dezenas de vezes. Acho que fui um membro honorário e espontâneo do júri da prova. Não sei se ganhou o melhor, mas garanto que ganhou o cavalo cuja cabeça atingiu a linha primeiro nas imagens que ficaram gravadas.





Pedro Gonçalves







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